Moradores de Santana temem nova barragem

Publicado em: 12/03/2019

Santana do Deserto, comunidade de Rio Doce
Não é de hoje que os moradores de Santana do Deserto, comunidade de Rio Doce, estão apreensivos com a possibilidade de construção de uma barragem na Fazenda Floresta. Em visita à comunidade, integrantes da Comissão de Atingidos de Rio Doce e assessoria técnica ouviram diversos relatos.
 
A calamidade ocorrida em Brumadinho aumentou o temor entre os moradores da localidade. “Tem dia que fico debruçado aqui, olhando rumo à Fazenda Floresta. Fico pensando por qual motivo este pessoal quer construir uma nova barragem. Já não chega o que aconteceu em Mariana e agora em Brumadinho? Quem vai garantir a segurança da gente?”, disse José Ribeiro Neto, morador da comunidade conhecido como Zé Patinho.
 
Adriana Aparecida de Souza, presidente da Associação Comunitária Rural de Santana do Deserto, contou que uma moradora da comunidade, apreensiva, deixa sempre seus documentos em cima de um armário. “Ela me disse que, em caso de ter que sair correndo, sabe onde pegar seus documentos”.
 
Após o período chuvoso, em abril, há previsão de retorno das obras, porém os responsáveis informaram que novos estudos sobre o manejo do rejeito estão em andamento. Existe a possibilidade da UHE Candonga voltar a operar com o volume de rejeito que está nos 400 metros. Portanto, não se sabe se o rejeito será bombeado para a barragem na Fazenda Floresta. Os atingidos temem, pois as constantes mudanças no planejamento das obras e a incerteza sobre qual procedimento será utilizado para que a Hidrelétrica volte a operar, também geram insegurança à comunidade. Os atingidos temem, e com razão.
 
O lago da lama
 
A comunidade de Santana do Deserto, com 81 moradias, está sendo uma das mais afetadas com as obras de manejo do rejeito. O fato é que, o rejeito acumulado em trecho do rio que margeia os municípios de Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce transformou o lago da UHE Candonga num irrefutável depósito de rejeito.
 
Mudança no modo de vida
 
As pessoas criam seus sonhos, seus vínculos, sua história onde residem, e os moradores de Santana do Deserto tiveram o modo de vida totalmente alterado. O trânsito de máquinas pesadas e de caminhões é um dos problemas mais graves. “Estas mudanças mexeram com a cabeça dos moradores aqui. Os idosos quase não saem de casa. Além da poeira causada pelo trânsito de ônibus e caminhões, tem muitas pessoas desconhecidas frequentando a comunidade. Isto nos traz insegurança”, disse Zé Patinho.
 
O morador, proprietário de um restaurante e uma pousada na comunidade há 19 anos, disse que antes da lama seu estabelecimento era bastante procurado. “Enquanto os especialistas não liberarem os peixes para consumo, ninguém mais vem aqui. Eu atendia pescadores de várias cidades. Os peixes dos outros locais nunca foram tão saborosos quanto os nossos. Nos feriados, hospedava em minha pousada cerca de 60 pessoas. Espalhavam até barraca no terreiro”, lembra Zé Patinho. 
 
Para Aprígio Antero, proprietário de um bar na comunidade, a lama trouxe somente prejuízos. “Meu comércio caiu muito. Atendia pescadores de muitas cidades todas as semanas. A maioria deles não voltou mais”. Caso semelhante aconteceu com Antônio Célio Zenaide, também comerciante de Santana. “Minha perda foi muita. Toda sexta-feira preparava para receber os pescadores que chegavam de outras cidades. Eles iam embora somente no domingo. Gastavam bem aqui.”
 
Adriana disse que as vendas de quitutes da Associação também caíram muito com a chegada da lama. “Fabricávamos 1.200 Kg de biscoitos por mês. Hoje produzimos de 20 a 30 kg. Minha irmã participou de uma feira recentemente, lá encontrou com uma antiga freguesa da Associação. Ela perguntou para a senhora porque não comprou mais os produtos da Associação, e então a senhora respondeu que ficou com medo dos produtos estarem contaminados pela lama”.
 
Adriana também falou sobre o aumento do trânsito de veículos na comunidade. “No início, quando as caminhonetes começaram a passar aqui lá pelas 10, 11 horas da noite, ficávamos assustados. Depois acostumamos com o barulho neste horário”. Outro problema exposto pela comunidade é o risco de acidentes na estrada de acesso à comunidade. Eles disseram que, em alguns trechos, a estrada é estreita e não dá passagem para um caminhão e um carro.
 
Insegurança Constante
 
João Antônio de Rezende, também morador de Santana, relatou como identificou o abalo em sua moradia. “Começou com uma pequena trinca na área de serviço, mas a mesma se estendeu para todos os lados do cômodo. Aí eu notei que um lado da área estava mais baixo e resolvi fazer mais uma pilastra de sustentação. Esperamos que este laudo seja liberado rápido, pois estamos em risco”. 
 
 

João Antônio mostra trinca em pilastra de sustentação de sua casa
 
 
Casas com trincas
 

Trincas em casas da comunidade de Santana do Deserto
 
Seis casas da comunidade de Santana do Deserto foram abaladas e estão em situação de risco. Estas casas são construções antigas e não foram preparadas para receber trânsito intenso e de veículos pesados. Além disto, próximo à comunidade, iniciou-se a exploração de uma cascalheira, o que, segundo os moradores, pode ter agravado a situação das trincas nas moradias. A comunidade aguarda laudo técnico encomendado pela Fundação Renova. 
 
Mais transtornos: calçamento danificado
 
Outro problema foi exposto à Comissão pelo comerciante Antônio Célio. “Passaram com uma máquina pesada aqui e danificaram o calçamento em frente a minha propriedade. Agora, quando chove, a parede do quarto do meu filho fica úmida e dá cheiro de mofo”.
 

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