As portas do Santuário Santana do Deserto, localizado em Santana do Deserto, distrito do município de Rio Doce-MG, raramente se encontram fechadas. É quase como se o templo religioso estivesse com os braços abertos, esperando um abraço. O “abraço” vem hora ou outra, o mais recente aconteceu no dia 13 de outubro, quando a população realizou o Congado, parte das comemorações da Festa de Nossa Senhora do Rosário de Santana do Deserto. Com famílias organizadas, o Congado, que anos atrás foi muito frequentado por pessoas de municípios vizinhos e até de outros estados, resiste em meio aos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão (2015) e da pandemia de Covid-19 como expressão cultural afro-religiosa.
Santuário Santana do Deserto. Foto: PH Reinaux/ ATI Centro Rosa Fortini
Segundo os mais velhos contam, a comunidade recebia muita gente de Congados de outras comunidades, como de Sem-Peixe, cerca de 17km de Santana do Deserto, para realizar uma grande festa religiosa. Porém, por conta do rejeito que se acumula do rio, que passa por trás do Santuário, foi se percebendo um esvaziamento da festa, por conta da desconfiança sobre a água do rio.
Dona Maria Geralda de Sousa, que participa do Congado há 60 anos, conta como a participação popular foi enfraquecendo com o tempo, muito por medo da água do rio. “Era diferente. Teve uma mudança, por causa dessa lama. Nós saltava o rio e ia para o lado de Santa Cruz. Para onde chamavam, nós ia. Chamava a gente para uma reza, para um aniversário, nós ia. Depois que passou essa lama, já não teve como a pessoa passar, porque atrapalhou tudo. Tinha uma balsa que atravessava pessoas, descontrolou a balsa. Ela não caminha igual que ela caminhava. Tinha até um tal de Nono, que atravessava pessoas no bote, ele tinha muito boa vontade de atravessar no bote, mas depois que passou a lama a gente tinha até medo de passar. Já não tinha mais movimento de nós passar lá não”, conta.
Com 82 anos, Raimundo Luis do Carmo, relembra as festas de anos anteriores, contando como era o Congado e as mudanças que a lama trouxe para a vida da comunidade. “De primeiro dava muito peixe. A gente apanhava uns peixinhos e levava para casa, para comer, tocando roça. De primeiro era muito bom mesmo. Agora acabou, a gente não pesca mais. Porque rebentou esse negócio de minério e os peixes estão contaminados”.
Origem
O Congado tem sua origem com o povo escravizado da região do Congo, na África, instalado no estado de Minas Gerais e que, em contato com a Igreja Católica, se reinventaram.
Foto: PH Reinaux/ ATI Centro Rosa Fortini
Em Santana do Deserto, as festividades começam com uma novena e finaliza com a realização da festa. No dia, as famílias fazem um grande almoço e organizam o espaço. O ponto alto do Congado é quando a banda sai cantando e dançando, de encontro ao Rei e a Rainha. O grupo conduz o casal até o altar do Santuário Santana do Deserto que sentados em seus tronos, são festejados. Após muitas danças e cânticos, o padre responsável pelo santuário, inicia a missa e ao final dela, um novo Rei e Rainha são coroados pelo sacerdote, momento celebrado por mais dança e música.
Renovação
A participação de pessoas mais jovens, tem sido um problema para o Congado. Os mais velhos reclamam da falta de interesse, mas há alguns jovens que guardam a tradição. Como é o caso de Joviana Eugênia da Silva, que participa desde criança. Ela conta que prometeu ao pai, antes de sua morte, que não se afastaria do Congado.
"Meu pai um dia disse: “se eu morrer filha, vocês não deixam o Congado acabar não. Vocês continuam com ele”. É onde a gente vai se planejando para continuar. Porque é uma tradição muito grande, é muito importante para nós essa festa do Rosário, para gente carregar. Aí a família está em peso”, declara.
Assim como o pai de Joviana, a renovação que os congadeiros têm alcançado é perpassada por uma tradição. Os pais passam o ensinamento da importância da festa, para os filhos e filhas, levando-os desde muito pequenos para dançar, cantar e assistir à missa.
Texto: Mariana Duarte (Comunicação ATI Rosa Fortini)